domingo, 11 de julho de 2010

STATUS QUO!

Retirem todas as flores jogadas no meu túmulo,
Para quê beleza no fim?
Sou filha do perdido, viciada por vilões
Amiga do vão e do vil.
Aquilo que me falta
É justamente aquilo que me toca!
Cuspam na minha cara
E aplaudam a ignorância do meu ser
Pois sigo cega em linha reta.  Alerta:
O abismo também é o destino dos tolos!
A porta já está fechada, e à minha frente muros ergueram-se do nada.
No escuro, só a tristeza entorpece,
E não há oração na boca dos mudos.
Meu anjo já está sem guarda,
E não há canção sem dor, não há palavras de amor,
Não há chão para os pés, nem dedos para os anéis
E não há monumentos erguidos que gloriem ao derrotado...





segunda-feira, 5 de julho de 2010

Percepções

Sei lá. Uma sensação ruim. Um gosto que é azedo e nada. Uma sensação que não cura nem fica. Uma expectativa de pinto quando nasce. Um escuro com cheiro de naftalina. Mãos que esfriam e molham sem sexo. No corpo tênue uma convicção duvidosa. Uma dúvida certeira!

Se fala ou cala, tudo muda. Mente cheio e peito vazio. Vagam sensações e lembranças e cheiros. E aquele olhar de borboleta, e aquele sorriso de sol e aquelas palavras que faziam ninho ao ouvido? E o tato que padece e a pele que já reclama. É o monstro do pensar! Torna pequeno o medo, torna o medo pequeno e vaga. Vaga. Vaga. Vaga por ai, por nada e além.

 Pensamento não tem calor nem frio. Só mata. Tu ofereces mas não entrega! Sadismo também é amor, meu amor. Solução é sonrisal, aspirina e vitamina C. Chumbinho também. Para rato. Na foto, o ato já vencido, no som o sentimento que passou. No poema o desabafo e no olhar a busca. Cadê? Você perdeu? O meu ainda está aqui!

Na palavra que eterniza, relembra a dor. Foge! Foge! Foge para lá, entra logo e fecha a porta. O estreito também é um caminho, e se o triste existe é porque alegre já foi. Não há oposto se se olha apenas para um lado. Sobe nesta cadeira e olhe de cima! Converta, convença, aproxime, pode provar que ainda tem.

 Para quê lagoa se o mar é imenso e cabe nele o céu? Se a voz ecoa é porque o infinito existe. Não pise a grama. Esquece o complexo e torna amigo do simples. Coca-cola com acarajé. Moedas no bolso, sandálias de couro e mente leve.

Só precisa pegar na mão. Na amiga do cotidiano, o café com pão, a conversa boba e a cama quente. Pousa e esquece como pássaro no fio! Pousa e esquece, pousa e esquece... que mal há se é só por um instante? O breve já veio mesmo... Só não faça do silêncio um grito e do breve, um eterno.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Encontro de Vênus com Baco

No topo dos seus Altares
Os Deuses se contemplam enamorados
Separados pela frieza marmórea
De seus corpos esculturados
Mas animados pelo desejo
Manifestam-se em sua glória
Erguendo torres, inundando grutas
a Bela e o Ébrio, unindo falo e vulva
Em divina epifania
Despertando o sonho mitológico
De uma bela umedecida.

Síncope

Em tua carne trêmula
A mão apalpa o ato e topo
Suga o suco da boca e do oco
Suscita o terno e entorpece o gozo
Confunde falo boca e vulva
Com ritmo, cadência, e sintonia
Suspira, geme, inflama e insulta
numa loucura sonora, insana melodia.

MoMeNtO

Sentia uma vontade líquida
que escorria da boca ao sexo
insana, voraz, estúpida
sorvia o doce do gozo
desprezava o azedo do resto.

terça-feira, 18 de maio de 2010

HOLMES

Invadir os Altares do teu corpo, para tocá-los com mãos profanas
descobrir na tez morena e grácil, os desejos mais insanos.
E dilacerá-lo, rasgá-lo, beber intrépida o teu sangue
como quem absorve o teu gozo.


Ali, no meu mundo de além
És Senhor e Escravo das minhas vontades,
das mais loucas e belas sensações.

domingo, 11 de abril de 2010

Obscuro Ego

Na profunda escuridão do meu abismo
Encontro-me cega, sôfrega, vã
Aprisionada pelo egoísmo
E pela alma maculada, vadia, cortesã.


Essa dor que punge, corrói incansável
As mazelas e má sorte de outrora
Gangrena purulenta, ferida incurável
Destruindo por dentro o que oculto por fora.


Não grito, não choro, lamento não cabe
Só sinto no peito a dor da tristeza
Por sonhos perdidos, ausências, saudades
Da falta de amor, verdade e beleza.


Não encontro a porta, não vejo a saída
Não há luz, nem porto, nem âncora
Só há minha sombra, cansada, traída
Entregando-se fraca, inerte e trôpega.


Assim submersa, amoral e triste
Sigo em voltas por dentro de mim
Rejeitando o Outro – para mim não existe-
Buscando no Ego, Narciso sem fim.





Enquadramento



Escuta, senta, aceita resignada!
Sua voz pouca e fraca não é o bastante                                                    
Amua, emudece, engole calada
Digere a seco seus lamentos e queixumes
Quero de ti apenas o sexo bom
O cheiro doce pra acalmar
Um beijo pra relaxar...
Que importa seus planos, seus lamentos,
Costumes, birras, e devaneios
Ah mulher, quero de ti apenas o que tem pra me dar:
Boca úmida, vagina quente e um belo par de seios.



Amor Paternal



Desde muito tempo, Seu Chico e Dona Maria viviam solitários na velha e fria casinha erguida no meio do mato. As filhas, Joana e Aninha, tinham suas próprias vidas bem longe da roça, deviam estar agora em alguma cidade grande, em meio aquela profusão de barulhos, carros e lixo.

Dona Maria, rechonchuda e afogueada, dedicava todo seu tempo aos afazeres da casa e à vida dos escassos vizinhos, minguados ali no fim do mundo, no meio do mato. Seu Chico, o marido, companheiro de mais de cinqüenta anos, sempre taciturno e distante, não lhe dispensava muita atenção.

Tornara-se, depois que as meninas foram embora, um velho calado e mal humorado. Sempre dedicou amor e atenção às filhas, tinha por elas um amor infindável. Quando eram menores, as levava sempre com ele roça à dentro e ficavam horas, investigando insetos, descobrindo flores, rindo com os passarinhos, conforme ele próprio narrava, orgulhoso e sorridente.

Apesar de todo  amor que recebiam, as meninas mostravam-se odiosas e indiferentes. Joana, a mais velha, era grosseira e antipática, encolerizava-se à toa: bastasse que lhes dirigissem a palavra, e lá vinha ela com sete pedras. Odiava o pai e a mãe. Xingava-os de nomes feios e, sempre que podia, matava-os de forma cruel, imaginando as piores e mais sangrentas torturas. "Ela precisa de uma boa surra", sentenciava uma vizinha. Mas não tinha jeito, quem iria entender os azedumes daquele diabo de menina?

Já Aninha, a mais nova, era calada e arredia. Quase nunca lhe ouvia a voz. Estava sempre distante, a cismar sozinha num canto da casa, ou com um olhar tolo a perseguir moscas no quintal. "Essa é lerda das ideias", afirmavam. E assim cresceram, enchendo a vida dos pais do quê fazer, e guardando em si seus dissabores, até que, num dia, Joana revoltou-se. Iria embora. Não ficaria mais naquele inferno de casa, naquele inferno de vida. Não suportava mais ver a cara abobalhada da mãe espalhando sua gordura pela casa, nem ver o traste do seu pai deitado na rede com aquele cheiro de estrume.

 Iria embora e ai daquele que a tentasse impedir. E levaria a irmã, a bichinha, seu único amor naquela vida vazia. E assim fez. Dona Maria chorou, gritou, implorou. Prometeu matar-se, sair correndo pelo mundo. Não entendia aquela decisão sem propósito das filhas, tratadas com tanto amor e mimo. Mas não adiantou. Estavam decididas.

 O pai não manifestou opinião. Calado estava, calado ficou. Viu as meninas arrumarem os trastes e saírem felizes, como escravas alforriadas. Não tentou impedir, não mostrou nenhum tipo de sentimento. Pegou o cigarro de fumo e deitou-se na rede, indiferente. Aninha, num momento único de ação, com a trouxa debaixo do braço, aproximou-se do pai, fitou-o por alguns momentos e, de súbito, soltou-lhe uma cusparada na cara. Coisa mais sem propósito. Depois saiu, magra e feliz, pra nunca mais voltar.

Passou o tempo e Seu Chico tornou-se mais calado, intolerante, mas não reclamava a ausência das filhas. Ficava horas dentro da roça, capinando, plantando, colhendo, confessando pecados para plantas e animais que criava. E quando retornava a casa, mostrava-se insatisfeito e resmungão, recolhendo-se à rede na varanda, onde normalmente adormecia.

 E era ali, na rede, que lembrava sem culpa, com os olhos fechados, dos momentos de brincadeiras proibidas que fazia com as meninas no meio do mato, onde, à força, descobria os corpos magros e sem formas das filhas, maculando-as e alimentando-as com seu leite paternal.

Filhos

Filhos. Astros com luz própria. Gerados no universo particular do meu ventre e lançados ao espaço infinito. Fontes do meu prazer e do meu pesar. Em confuso paradoxo, estão em mim e além de mim. Tentar alcançá-los é lançar-me no impossível, prendê-los a mim é obrigá-los ao retrocesso. Resta-me contemplá-los com olhos atentos e coração alerta, mantendo nos lábios a prece da vida “dá-lhes vida em abundância...” Sou mãe-universo e guardo uma lágrima e um sorriso, perceptíveis somente aos olhos do amor, da renúncia. Invento mundos perfeitos e vitórias suntuosas, onde meus filhos são reis e rainhas em graça e glórias. E em meu Templo, ergo altares magníficos e rendo-lhes ofertas de amor, caridade, renúncia e vida.


quarta-feira, 17 de março de 2010

Tenho tanto sentimento¹



Tenho tanto sentimento
Que sou completa de alegrias e tristezas
Se um lado de mim sorri ilusões
O outro lado chora certezas

Tenho tanto sentimento
Que circundo o mundo-menino com minhas mãos
E contemplo com olhos maternos
Seus rompantes de Paz e de Guerra

Tenho tanto sentimento
Que trago no peito um pouco de tudo
Da criança que nasce ao velho que morre
Do grito da luz, ao silêncio do escuro

Tenho tanto sentimento
Que não sou mais eu, e como rocha,
Sou apenas fragmento de tudo que passa
Moldada com paciência pelo tempo

Tenho tanto sentimento
Que em minha alma ainda ecoam
 os gritos de dor e de conquista
dos meus ancestrais multicolores

Tenho tanto sentimento
Que me confundo com o mundo
e com cores, e gentes e plantas e cheiros
E ao final, entrego-me inerte e inteira
Para sentir eternamente a noite.





¹ Nome do poema de Fernando Pessoa.

domingo, 14 de março de 2010

Nostalgia

Naquela tarde, saiu sem maiores pretensões. Arrumou o cabelo como de costume, vestiu um jeans velho e colocou aquela blusa preta que tanto gosta. Calçou o tênis surrado, passou um batom, pegou a bolsa e saiu. A tarde fria, iluminada timidamente por uns poucos raios de sol, trazia-lhe saudades de uns tempos alegres, em companhia de pais e irmãos, na velha chácara onde morou boa parte de sua vida. Olhava sem prestar muita atenção para coisas e pessoas que passavam, esboçava um sorriso suave e sincero para uns poucos.

Gracejou com a criancinha que brincava na calçada. Lembrou-se do filho, o único que teve ainda em sua adolescência, fruto de uma ilusão com um homem mais velho e comprometido, que desfez todas as promessas e desapareceu assim que soube da gravidez. Por causa da aventura, nunca recebera o perdão dos pais e o filho agora estava longe e feliz com esposa e filhos, tão longe e tão feliz que nunca tinha tempo para fazer uma visita ou mesmo dar um telefonema.

Andou ainda mais algumas ruas, sentiu no ar um cheiro de bolo e frutas. Costumava fazer bolos e compartilhar segredos quando passava alguns dias na casa da única e verdadeira amiga. Onde estaria ela agora? Depois que completou o colegial, mudou-se para a cidade grande, enviou algumas cartas, mas depois de um tempo calou-se. Boas lembranças. Mais adiante, na esquina, deparou-se com uma velha conhecida e seu tabuleiro de mingaus e cafés. Cumprimentou a senhora intimamente, tomou do mingau de tapioca que tanto gosta e provou mais uma vez o café quente e forte feito pela senhora prendada.

Tudo comum, tudo perfeito naquela tarde tão agradável. Andou por mais um tempo, sentiu no rosto o toque carinhoso e sutil do vento em seu rosto, já tão marcado pelo tempo e pela vida. Pensou um pouco sobre o vento que a tocava: seria o mesmo vento que a tocava em sua juventude, quando caminhava vagamente pelas ruas, com a cabeça cheia de sonhos e desafios, cheia de amores e esperanças? Seria o mesmo vento, seu velho amigo de andanças e devaneios?

Caminhava agora mais devagar, os olhos presos ao chão, um tom sério no semblante. Sentiu uma falta profunda de pessoas e de vidas, estava enfadada de tanta solidão e lembranças difusas. Chegara enfim às margens do Cachoeira, fortalecido pelas chuvas e vingativo por natureza. Contemplou por alguns minutos a inquietação das águas correntes, refletiu sobre sua brevidade: águas que nunca param, seu momento é rápido como um piscar de olhos.

Suspirou profundamente, subiu no parapeito da ponte e, lançando um último olhar sobre a cidade fria e indiferente à sua existência, jogou-se resignada nas águas do rio, afogando junto com o corpo cansado, as tristezas e as saudades de outrora. E o rio, orgulhoso, recebeu com júbilo e fúria àquela oferenda voluntária.

Celly Grapiúna


A revanche do Rio

Em tempos de chuva, o rio costumava a exibir-se. Bastavam apenas algumas horas de água caindo para que logo começasse a ganhar volume e provocar pavor. E em pouco tempo lá estava ele, cheio de movimento e fúria, numa alegria desmedida, vaidosa, arrebatando em sua passagem tudo que encontrava pela frente: gente, plantas, bichos, casas e cacos.

E as mulheres praguejavam lastimosas às suas travessuras , que destruía impiedoso casas e míseros teréns. Os meninos contemplavam curiosos e amedrontados a força do amigo de tantas horas, enquanto os homens se calavam resignados: entendiam a revolta e o orgulho desse velho conhecido. As árvores, em volúpia, debruçavam-se languidamente sobre a virilidade imponente do Rio Cheio, acariciando com suas folhas desejosas as fortes águas que dão vida, celebrando em gozo, Árvores e Rio, o espetáculo da natureza em fúria.

Mas o Rio não se contentava com pouco: enquanto durava o seu estado de graça, esparramava-se por toda a cidade, entrava em cada rua, em cada beco, em cada casa, satisfazendo-se em impor sua presença nos lugares mais protegidos pelas gentes. Naqueles dias era Ele, o Rio, que penetrava o lugar dos homens;  era ele quem entrava sem pedir licença e deixava suas marcas às fuças de quem quisesse ver. E não tinha reza nem choro que o fizesse acalmar: nos dias de sua força, era ele o dono de tudo, era quem ditava as regras.

Enquanto o Rio se deleitava, os homens, acuados, testemunhavam inertes as destruições causadas pelas fortes águas: as plantações, o gado magro, o barraco erguido com tanto sacrifício: tudo sendo levado pelo excomungado do Rio! E com um nó na garganta, juravam as vinganças mais odiosas sobre aquelas águas fortes e indomáveis. Mas o Rio não se importava. Sabia que amanhã seria a vez dos homens. Mas hoje Ele é o Rei. Hoje é a vez do Rio.


FESTA no MORRO


Hoje tem festa no morro
E "os gringos" vão lá pra ver
Botam os pretos pra batucar
Fazem as negrinhas mexer
E "os gringos" gostam
Do jeito que o negro tem
Chamam os pretos de “artista”
E as negrinhas de “meu bem”
Tiram fotos dos pretos
Dançam ao som do timbal
Sorriem nas favelas e becos
Na festa todo mundo é igual
E "os gringos" gostam
Do jeito que o negro tem

Mas quando a festa acaba
A utopia é desmascarada
O gringo desce do morro
E o preto volta a ser ninguém.

20/11/09 – Celly Grapiuna