domingo, 14 de março de 2010

A revanche do Rio

Em tempos de chuva, o rio costumava a exibir-se. Bastavam apenas algumas horas de água caindo para que logo começasse a ganhar volume e provocar pavor. E em pouco tempo lá estava ele, cheio de movimento e fúria, numa alegria desmedida, vaidosa, arrebatando em sua passagem tudo que encontrava pela frente: gente, plantas, bichos, casas e cacos.

E as mulheres praguejavam lastimosas às suas travessuras , que destruía impiedoso casas e míseros teréns. Os meninos contemplavam curiosos e amedrontados a força do amigo de tantas horas, enquanto os homens se calavam resignados: entendiam a revolta e o orgulho desse velho conhecido. As árvores, em volúpia, debruçavam-se languidamente sobre a virilidade imponente do Rio Cheio, acariciando com suas folhas desejosas as fortes águas que dão vida, celebrando em gozo, Árvores e Rio, o espetáculo da natureza em fúria.

Mas o Rio não se contentava com pouco: enquanto durava o seu estado de graça, esparramava-se por toda a cidade, entrava em cada rua, em cada beco, em cada casa, satisfazendo-se em impor sua presença nos lugares mais protegidos pelas gentes. Naqueles dias era Ele, o Rio, que penetrava o lugar dos homens;  era ele quem entrava sem pedir licença e deixava suas marcas às fuças de quem quisesse ver. E não tinha reza nem choro que o fizesse acalmar: nos dias de sua força, era ele o dono de tudo, era quem ditava as regras.

Enquanto o Rio se deleitava, os homens, acuados, testemunhavam inertes as destruições causadas pelas fortes águas: as plantações, o gado magro, o barraco erguido com tanto sacrifício: tudo sendo levado pelo excomungado do Rio! E com um nó na garganta, juravam as vinganças mais odiosas sobre aquelas águas fortes e indomáveis. Mas o Rio não se importava. Sabia que amanhã seria a vez dos homens. Mas hoje Ele é o Rei. Hoje é a vez do Rio.


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