domingo, 11 de abril de 2010

Obscuro Ego

Na profunda escuridão do meu abismo
Encontro-me cega, sôfrega, vã
Aprisionada pelo egoísmo
E pela alma maculada, vadia, cortesã.


Essa dor que punge, corrói incansável
As mazelas e má sorte de outrora
Gangrena purulenta, ferida incurável
Destruindo por dentro o que oculto por fora.


Não grito, não choro, lamento não cabe
Só sinto no peito a dor da tristeza
Por sonhos perdidos, ausências, saudades
Da falta de amor, verdade e beleza.


Não encontro a porta, não vejo a saída
Não há luz, nem porto, nem âncora
Só há minha sombra, cansada, traída
Entregando-se fraca, inerte e trôpega.


Assim submersa, amoral e triste
Sigo em voltas por dentro de mim
Rejeitando o Outro – para mim não existe-
Buscando no Ego, Narciso sem fim.





Enquadramento



Escuta, senta, aceita resignada!
Sua voz pouca e fraca não é o bastante                                                    
Amua, emudece, engole calada
Digere a seco seus lamentos e queixumes
Quero de ti apenas o sexo bom
O cheiro doce pra acalmar
Um beijo pra relaxar...
Que importa seus planos, seus lamentos,
Costumes, birras, e devaneios
Ah mulher, quero de ti apenas o que tem pra me dar:
Boca úmida, vagina quente e um belo par de seios.



Amor Paternal



Desde muito tempo, Seu Chico e Dona Maria viviam solitários na velha e fria casinha erguida no meio do mato. As filhas, Joana e Aninha, tinham suas próprias vidas bem longe da roça, deviam estar agora em alguma cidade grande, em meio aquela profusão de barulhos, carros e lixo.

Dona Maria, rechonchuda e afogueada, dedicava todo seu tempo aos afazeres da casa e à vida dos escassos vizinhos, minguados ali no fim do mundo, no meio do mato. Seu Chico, o marido, companheiro de mais de cinqüenta anos, sempre taciturno e distante, não lhe dispensava muita atenção.

Tornara-se, depois que as meninas foram embora, um velho calado e mal humorado. Sempre dedicou amor e atenção às filhas, tinha por elas um amor infindável. Quando eram menores, as levava sempre com ele roça à dentro e ficavam horas, investigando insetos, descobrindo flores, rindo com os passarinhos, conforme ele próprio narrava, orgulhoso e sorridente.

Apesar de todo  amor que recebiam, as meninas mostravam-se odiosas e indiferentes. Joana, a mais velha, era grosseira e antipática, encolerizava-se à toa: bastasse que lhes dirigissem a palavra, e lá vinha ela com sete pedras. Odiava o pai e a mãe. Xingava-os de nomes feios e, sempre que podia, matava-os de forma cruel, imaginando as piores e mais sangrentas torturas. "Ela precisa de uma boa surra", sentenciava uma vizinha. Mas não tinha jeito, quem iria entender os azedumes daquele diabo de menina?

Já Aninha, a mais nova, era calada e arredia. Quase nunca lhe ouvia a voz. Estava sempre distante, a cismar sozinha num canto da casa, ou com um olhar tolo a perseguir moscas no quintal. "Essa é lerda das ideias", afirmavam. E assim cresceram, enchendo a vida dos pais do quê fazer, e guardando em si seus dissabores, até que, num dia, Joana revoltou-se. Iria embora. Não ficaria mais naquele inferno de casa, naquele inferno de vida. Não suportava mais ver a cara abobalhada da mãe espalhando sua gordura pela casa, nem ver o traste do seu pai deitado na rede com aquele cheiro de estrume.

 Iria embora e ai daquele que a tentasse impedir. E levaria a irmã, a bichinha, seu único amor naquela vida vazia. E assim fez. Dona Maria chorou, gritou, implorou. Prometeu matar-se, sair correndo pelo mundo. Não entendia aquela decisão sem propósito das filhas, tratadas com tanto amor e mimo. Mas não adiantou. Estavam decididas.

 O pai não manifestou opinião. Calado estava, calado ficou. Viu as meninas arrumarem os trastes e saírem felizes, como escravas alforriadas. Não tentou impedir, não mostrou nenhum tipo de sentimento. Pegou o cigarro de fumo e deitou-se na rede, indiferente. Aninha, num momento único de ação, com a trouxa debaixo do braço, aproximou-se do pai, fitou-o por alguns momentos e, de súbito, soltou-lhe uma cusparada na cara. Coisa mais sem propósito. Depois saiu, magra e feliz, pra nunca mais voltar.

Passou o tempo e Seu Chico tornou-se mais calado, intolerante, mas não reclamava a ausência das filhas. Ficava horas dentro da roça, capinando, plantando, colhendo, confessando pecados para plantas e animais que criava. E quando retornava a casa, mostrava-se insatisfeito e resmungão, recolhendo-se à rede na varanda, onde normalmente adormecia.

 E era ali, na rede, que lembrava sem culpa, com os olhos fechados, dos momentos de brincadeiras proibidas que fazia com as meninas no meio do mato, onde, à força, descobria os corpos magros e sem formas das filhas, maculando-as e alimentando-as com seu leite paternal.

Filhos

Filhos. Astros com luz própria. Gerados no universo particular do meu ventre e lançados ao espaço infinito. Fontes do meu prazer e do meu pesar. Em confuso paradoxo, estão em mim e além de mim. Tentar alcançá-los é lançar-me no impossível, prendê-los a mim é obrigá-los ao retrocesso. Resta-me contemplá-los com olhos atentos e coração alerta, mantendo nos lábios a prece da vida “dá-lhes vida em abundância...” Sou mãe-universo e guardo uma lágrima e um sorriso, perceptíveis somente aos olhos do amor, da renúncia. Invento mundos perfeitos e vitórias suntuosas, onde meus filhos são reis e rainhas em graça e glórias. E em meu Templo, ergo altares magníficos e rendo-lhes ofertas de amor, caridade, renúncia e vida.